Era uma vez… Bem assim não, afinal esta história nem acontece só uma vez, acontece tantas vezes…
Já à muito, muito tempo, vivia numa das aldeias deste país, daquelas que já não existem, já não há a tasca com o copo de tinto a 2 tostões, nem a mocidade a correr aí pelos campos, nem o leiteiro a passar à porta das casas ou o bêbado lá da terra de ouvido no golo do Eusébio… Já não há, apenas ainda subsiste a missa ao Domingo, naquele perdido Portugal, eterno, rural, ao sabor das estações, típico Portugal.
E no meio da inconsciência e ignorância, sempre houve quem assim fosse feliz. Viveu assim toda a vida, sem a saber conhecer doutra maneira, o velho do lagar que por não saber ler, fazer as somas dos “Alqueires” de cabeça e amar o seu olival mais que tudo, se tornou o único produtor de azeite lá da terra. Ao velho, que já não tinha amigo que se lembrasse dele novo, não se podia falar mal do seu azeite e não se podia negar o bom do tinto quando o seu Belenenses jogava ao Domingo. No entanto, era a personagem mais típica e curiosa da terra.
Passaram-se chuvadas e dias de calor naqueles olivais, o azeite sempre no ponto, diziam todos eles, principalmente aqueles que na apanha recebiam umas coroas, o velho com tristeza já não podia varejar as árvores. Passaram umas épocas, o “Eusébio foi lá para o União de Tomar arrumar as botas” e o seu Belenenses já nem nos primeiros ficava. Passaram-se umas guerras e “aqueles que sabem, falando de uma forma que nós, que não sabemos ler não podemos perceber”, fizeram aquilo do 25 de Abril. Tudo isto passou pelo Velho do Lagar, e o que mais lhe fazia impressão, ainda era quando o Belenenses perdia em casa. Até um dia…
E não julguem que esse foi o dia em que o Velho partiu, não tinha razões, andava por aqui bem, o pior que lhe podiam fazer era “vir um doido a gritar PREC” e a dizer para ele ocupar a casa dos condes da terra porque dormir com as oliveiras não era vida. Aí sim, o Velho não gostava! Ahhh… Aquelas oliveiras são a vida para ele. Até um dia…Até um dia em que “Os senhores que emigraram e estudaram lá por fora sem ir ao Ultramar” lhe disseram que ele agora era europeu. Foi-lhe indiferente…
Quando chegou “lá aquele da Europa que vem cá controlar a qualidade da lavoura”, lhe pegou no azeite e lhe disse que o azeite de sempre, o azeite daquela terra, o azeite da sua vida, o amigo que nunca o enganou, a mulher que sempre lhe pôs o pão na mesa ao jantar, o sonho de alguém a quem “os senhores do Salazar” lhe roubaram todos os sonhos, esse, esse a quem da flor ao lagar, vezes sem conta em anos perdidos, lhe preencheu o curto espaço que vai dos trapos de parteira à cova rasa, esse azeite, era, é, e continuaria a ser enquanto se não pusessem uns pós manhosos, um azeite ácido “que não cumpria com as normas comunitárias”.
Veio subitamente “um engenheiro” calcular uma vida, dizer-lhe que a sua vida não cumpria a função, que não se podia vender, que seria pretexto para um subsídio, que seria o fim do Velho, que nada mais valeria a pena, que a vida tinha sido um engano, que tudo o que amou foi sempre um ácido que no trago não amargava e que o agora amargou para sempre.
O velho morreu, e nem foi preciso chegar o primeiro subsídio. Ate hoje, e se o “Padre Antunes” tiver razão, o Velho do Lagar estará no céu a recordar, nunca mais se soube.Nunca mais se soube, se o engano e o Falso Azeite, concederam ao Velho a alegria de uma vida, ou a amargura da verdade. Nunca mais se soube, e a cada um de nós ficará por saber, e descobrir.
Fiquem bem