Pombal, 16 de Agosto 2005. Não interessa hora ou local preciso.
Hoje, Quiaios, 16 de Agosto de 2006.
Há um ano atrás. Há um ano atrás, num momento, nascia vazio e Alma. É por isso que hoje escrevo o texto tantas e tantas vezes esperado, medido, reflectido por mim. É o texto de 16 de Agosto. O dia mais fantasmagórico da minha ainda curta vida. Esperei e pensei este dia muitas vezes, imaginava-o sempre diferente, e em comum, teriam todas as minha suposições um ponto, este dia tinha de acabar com este texto, o texto de 16 de Agosto.
Há um ano atrás nascia vazio e Alma. Nascia “fim da linha”. Nascia “estrada”.O vazio que nasceu foi dentro de mim e naquilo que me rodeava. Tudo mudara pois já não houvera algo importante, que já quase me caracterizava por “habituação”. Vivia colado aquilo que todos viam como um dado adquirido. Deixou de o ser, fica sempre um vazio, preenchido por variadas histórias, percursos, rostos e visões. Tornei-me plural, a minha visão tornou-se plural.
Senti sempre tremendo orgulho em tudo o que de pé estava, porque de pé ficou. Se cair um Mosteiro por tempestades e abalos loucos, numa aldeia não se chorará o altar perdido. O Mosteiro cai por vontade do santo que lá era adorado. Só as paredes caiem. Rezemos pelos alicerces que ficaram e nos dão identidade, sem que estes se tornem ruínas. Oremos então… Oremos que temos nova “estrada” e o Santuário da Vida merece peregrinação.
Faz hoje um ano, nascia Alma. Nascia o ethos dos Fantasmas do Passado. Se este meu último ano fosse vazio, não tinha sequer provado o sabor de “Ganhar terreno aos nossos fantasmas”, “Oliveiras de Vida”, “Que haja mais luz”, “A história dos Mais Além” e tantas outras palavras que desconhecia poder proferir. Nascia Alma nova em mim, pronta a fazer uma revolução de veludo à minha melancolia.
Sem rejeitar os meus valores, nasceu algo dentro de mim. Sem nascer algo dentro de mim, e depois de tudo o que vivi, estaria isso sim, a rejeitar os valores a que sou fiel. Hoje é o texto ideal para eternizar a frase:
“Não me arrependo de nenhuma letra, só me arrependo de vírgulas e pontos finais quando tinha ainda muito para vos dizer.”.
Há no entanto um esclarecimento que deve ser feito. É a 16 de Agosto que nasce a alma de um fantasma, mas são as suas atitudes posteriores e descoberta de atitudes anteriores, que lhe concedem matéria para se alimentar. A tinta escorreu com uma sinceridade e abertura de alma que só envergonhou e incomodou os mais falsos e os que vivem num “apagão”.
Prefiro ser cego um dia a viver no escuro a vida inteira.
É interessante a minha relação com este dia. No inicio da escrita não saberia que tipo de texto poderia sair. Ao improviso, perco intenção e acutilância, mas mantenho a sinceridade e o entregar do que sinto ao papel onde escrevo.
Também o dia de hoje foi vivido nessa mesma liberdade. Por volta da meia-noite sentei-me a escrever, mas reparei que têm sido mais as palavras que me fazem a mim, que eu a dar nexo às mesmas. Tinha vivido um dia de enorme tédio, nada tinha vivido ou experienciado que me levasse a escrever. A condução lógica e suave por onde me levei guiou-me à leitura. As páginas amoleceram-me. Adormeci. Fiz um tremendo esforço para não me levantar na manhã seguinte. Alguém lá do céu que um agnóstico como eu não consegue apelidar despejava água a cântaros. Não caí na tentação de pensar que estava a viver um dia tremendamente infeliz e que até os deuses choravam por mim, optei pelo básico tomar de pequeno almoço e manutenção do efeito de “consciência adormecida” patrocinada e financiada pelas 11 horas de cama que precediam todo o meu dia até então. Durante a tarde vivi um episódio de reter, fruto da efeméride que vivia. Pela primeira vez ergui um papagaio de papel no ar, sobre a praia, tremendamente insuflado no seu ego de objecto por um vento forte e constante. Não obstante, o vento não era suficiente para levantar o papagaio sem que este se despenha-se e seguida.
A vida de um homem é um papagaio de papel. Muitos vejo que se queixam da falta de vento, mas não raras vezes o problema é direcção e persistência. Durante este meu último ano, e depois de grande dano sofrido após queda aparatosa daquele artificio de voar (a minha vida), tenho experienciado duas coisas. Sei manejar muito melhor o papagaio porque sei onde se escondem os poços de ar, e sei que algum dia adormeço e torno a cair. Mas
hoje erguido no céu, deu duas piroetas, estabilizou no cume do céu e da minha existência, curvei inúmeras vezes, fi-lo aterrar com a precisão de quem pegava no cordel pela primeira vez e sorri. A cada papagaio estão reservadas inúmeras viagens, em cada uma delas adquire-se controlo e sorrisos. Estou muito feliz, e ainda tenho a cama por fazer, não importa. Estou feliz com a projecção do meu papagaio, estou feliz com o nascer de “estrada”, com o nascer de Alma, estou feliz com muito do que fiz no último ano.
E agora a grande dúvida, a dúvida de muitos dias durante este ano. A dúvida de há um ano, de há seis meses, de há um mês, a dúvida de ontem, de hoje de manhã, a minha dúvida a cada dia que nascer enquanto viver em consciência.
-Pedro, hoje (logo hoje não é…) valeu a pena?
Sim valeu, e como me sabe bem descobrir tudo isto enquanto as palavras flúem num texto todo ele improvisado neste momento.
-Sim valeu, porque hoje, 16 de Agosto de 2006, eu ganhei aos meus fantasmas.
Fiquem bem